miércoles, 23 de mayo de 2018

Lisbon Revisited * Pessoa



No: no quiero nada.
Ya dije que no quiero nada.

¡No me vengan con conclusiones!
La única conclusión es morir.

¡No me traigan estéticas!
¡No me hablen de moral!
¡Sáquenme de aquí la metafísica!
No me pregonen sistemas completos, no me alineen conquistas
De las ciencias (¡de las ciencias, Dios mío, de las ciencias)-
¡De las ciencias, de las artes, de la civilización moderna!

¿Qué mal hice yo a los dioses todos?

¡Si tienen la verdad, guárdenla!

Soy un técnico, pero tengo técnica sólo dentro de la técnica.
Fuera de eso soy loco, con todo el derecho a serlo.
Con todo el derecho a serlo, ¿oyeron?

¡No me importunen, por amor de Dios!

¿Me querían casado, fútil, cotidiano y tributable?
¿Me querían lo contrario de esto, lo contrario de cualquier cosa?
Si yo fuese otra persona, les haría, a todos, la voluntad.
¡Así, como soy,  tengan paciencia!
¡Vayan al diablo sin mí,
o déjenme ir solo al diablo!
¿Para qué tenemos que ir juntos?

¡No me tomen del brazo!
No me gusta que me tomen del brazo. Quiero ser solo.
¡Ya dije que soy solo!
¡Ah, qué inoportunidad querer que yo sea compañía!

¡El cielo azul -el mismo de la infancia-
Eterna verdad vacía y perfecta!
¡Oh sedoso Tajo ancestral y mudo,
Pequeña verdad donde el cielo se refleja!
¡Oh dolor revisitado, Lisboa de otrora de hoy!
Nada me dais, nada me sacáis, nada sois que yo me sienta.

¡Déjenme en paz! No tardo, que yo nunca tardo...
¡Y mientras tarda el Abismo y el Silencio quiero estar solo!


Álvaro de Campos



Lisbon Revisited (1923)

Não: não quero nada
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!


Álvaro de Campos. 






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